PORTUGAL NÃO… NEM SAI DE CIMA

Portugal, bem ao nível da sua atávica característica de não… nem sair de cima, tendo o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, apelado ao candidato presidencial moçambicano Venâncio Mondlane para que seja “um factor de estabilização e reconciliação nacional” ao regressar ao país na quinta-feira, como anunciou o próprio.

O chefe da diplomacia portuguesa, falando à margem do Seminário Diplomático, em Lisboa, afirmou que, “agora, naturalmente, com o anunciado regresso a território moçambicano do candidato presidencial Mondlane, o apelo que fazemos é que ele possa ser também um factor de estabilização, de pacificação e de reconciliação nacional”..

Em declarações aos jornalistas, Paulo Rangel indicou que ainda “está em avaliação” a eventual ida do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no próximo dia 15, à cerimónia de posse de Daniel Chapo, vencedor declarado das eleições fraudulentas presidenciais de Moçambique, um resultado contestado por Venâncio Mondlane e os seus apoiantes (e que Portugal sabe ser uma contestação legítima em resultado da fraude eleitoral), que se têm manifestado nas ruas há mais de dois meses, em protestos que já causaram quase 300 mortos.

Venâncio Mondlane, que está fora de Moçambique, alegando questões de segurança, desde 21 de Outubro, quando foram desencadeadas as manifestações pós-eleições de 9 de Outubro, anunciou este domingo que regressa à capital moçambicana, através do aeroporto internacional de Maputo, na quinta-feira, 9 de Janeiro.

Portugal, o país colonizador que – como fez em Angola com o MPLA – ofereceu Moçambique à Frelimo, diz que “tomou nota da proclamação do Conselho Constitucional de Moçambique sobre a conclusão do processo eleitoral, que indica Daniel Chapo como Presidente eleito de Moçambique”.

Portugal acocora-se desde – é claro – que Moçambique fique nas mãos da Frelimo e Angola nas do MPLA. Seria diferente e, de facto, nas eleições tudo foi diferente, mas a fraude permitiu que tudo continuasse na mesma, tal como planeado por Portugal em 1975.

“O Governo português está disponível para trabalhar com o novo Presidente e com o Governo moçambicanos em prol do reforço dos laços estratégicos entre os dois países, na continuidade dos laços históricos de amizade entre os dois povos. Reafirmamos a vontade de Portugal em se manter como parceiro-chave, contribuindo para o progresso sustentável e a paz em Moçambique. Portugal é, e deseja continuar a ser, o principal parceiro de Moçambique em matéria de cooperação internacional”, dizem – com a monumental e criminosa hipocrisia que os caracteriza – o Executivo de Luís Montenegro e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Lisboa acrescenta que “Portugal lamenta profundamente os episódios de violência que marcaram o período pós-eleitoral em Moçambique, causando inúmeras perdas humanas e intensificando as tensões políticas e sociais no país. A paz e a estabilidade social em Moçambique são valores inestimáveis, que devem ser salvaguardados na fase de transição política que agora se inicia”. Traduzindo: a Frelimo é Moçambique e Moçambique é da Frelimo.

“Esperamos que o novo ciclo governativo reflicta um compromisso de inclusão, em espírito de diálogo, capaz de responder aos desafios sociais, políticos e económicos que o país enfrenta. Torna-se por isso essencial que as novas autoridades moçambicanas possam iniciar quanto antes um debate político inclusivo com as forças da oposição e representantes da sociedade civil que reforce a coesão nacional, garanta a estabilidade social e fomente o progresso e desenvolvimento do povo moçambicano. Nesse debate, afigura-se importante considerar a reforma do processo eleitoral moçambicano, seguindo as recomendações da União Europeia e da CPLP”, diz Portugal, julgando que os moçambicanos são matumbos. Tal como os angolanos, somos pobres mas não somos matumbos e temos memória.

Apesar das múltiplas vigarices reveladas por muitos observadores internacionais, as ordens eram claras. Assim, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana anunciou a vitória de Daniel Chapo (Frelimo), e Portugal – tal como o MPLA – abriu as garrafas de champanhe.

As eleições gerais incluíram as sétimas presidenciais – às quais já não concorreu o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos – em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.

O processo eleitoral de 2024 foi fortemente criticado por observadores internacionais, que apontam várias e graves irregularidades. Recorde-se que a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) às eleições gerais moçambicanas afirmou que constatou “irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas” dos resultados eleitorais que precisam de ser esclarecidas.

“A MOE UE constatou irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais a nível das assembleias de voto e a nível distrital”, lê-se num comunicado divulgado pelos observadores.

A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia iniciou as suas actividades em Moçambique em 1 de Setembro de 2024 e destacou 179 observadores para o dia das eleições, tendo emitido uma declaração preliminar em 11 de Outubro, sobre o processo eleitoral.

“A MOE UE continuou a observar o processo eleitoral, embora os observadores da UE tenham sido impedidos de observar os processos de apuramento em alguns distritos e províncias, bem como a nível nacional”, lê-se.

No comunicado acrescenta-se que “como medida para contribuir para a confiança e integridade do processo eleitoral”, a MOE UE “reitera o seu apelo aos órgãos eleitorais para que conduzam o processo de apuramento de uma forma transparente e credível, assegurando a verificação dos resultados das mesas de voto”.

“A publicação dos resultados desagregados por mesa de voto não é apenas uma questão de boas práticas, mas também uma forte salvaguarda para a integridade dos resultados”, declarou a chefe da missão, Laura Ballarín, citada no comunicado.

“Tendo em conta as tensões sociais e a violência eleitoral registadas nos últimos dias, a MOE UE reitera a sua condenação dos assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe [advogado de Venâncio Mondlane e mandatário do Partido Podemos, que o apoia, respectivamente], e apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e direitos políticos”, acrescenta-se no comunicado.

A MOE UE afirma ainda “que é da responsabilidade da administração eleitoral esclarecer as irregularidades e do Conselho Constitucional resolvê-las durante o processo de validação dos resultados, no respeito pela vontade dos eleitores”.

Folha 8 com Lusa

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